É conhecida a história conturbada do casamento entre Lev Tolstói (1828-1910) e Sófia Tolstaia (1844-1919). Ambos mantiveram diários e os últimos anos de vida conjugal foram testemunhados pelos frequentadores da famosa propriedade da família, Iásnaia Poliana. Esse período da vida do casal, quando Tolstói defendia a abstinência sexual mesmo entre cônjuges, suscitou vários estudos e obras de ficção – como o filme A última estação (2010), com Helen Mirren e Christopher Plummer. A própria voz de Sófia, no entanto, só veio à tona nas últimas décadas, por meio de duas novelas que escreveu – De quem é a culpa? (publicada em 1994) e Canção sem palavras (2010). As duas obras têm sua primeira tradução no Brasil, feita por Irineu Franco Perpetuo, em Tolstói & Tolstaia. O volume compreende também uma das mais famosas e perturbadoras obras de Tolstói, Sonata Kreutzer, além de um texto que o autor escreveu para esclarecer o conteúdo da novela e posfácios assinados pelo tradutor e por Mário Luiz Frungillo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em De quem é a culpa?, Sófia Tolstaia estabelece um diálogo direto com Sonata Kreutzer. A autora discute temas presentes na novela do marido: a natureza do amor, a paixão, o ciúme e as complicações da vida em família. Por sua vez, Canção sem palavras, título emprestado de uma peça de Felix Mendelsohn, acrescenta a esses temas o poder da música sobre o temperamento humano, assunto também da novela de Tolstói, que reporta à sonata de Ludwig von Beethoven. A personagem central de De quem é a culpa?, Anna, tem 18 anos; é senhora de si, leitora de filosofia, aspirante a escritora e praticante da música e da pintura. Dois homens a cortejam. Ela se apaixona por um deles, o príncipe Prózorski, 17 anos mais velho. Prózorski confessa ter tido uma vida devassa, voltada ao amor carnal, o que provoca ciúme e alheamento em Anna, defensora da espiritualidade. A trama evoca a história do próprio casal de escritores: Tolstói, antes de se casar com Sófia, contou a ela que tinha engravidado uma serva que ainda morava em Iásnaia Poliana com a filha. O escritor nunca escondeu que, depois de abandonar os estudos de literatura oriental, vivera um período de intensa entrega aos prazeres da carne. Em Canção sem palavras, a protagonista, Sacha, abalada pela morte da mãe, passa a questionar a vida que leva com um marido frequentemente hostil e se aproxima de um pianista e compositor profissional, para quem a arte está acima de tudo. Como Anna, Sacha se aferra ao ideal da espiritualidade do amor e conclui que a influência humana profana a “pureza virginal” da natureza. Segundo Mário Luiz Frungillo, no posfácio da edição, as duas novelas “apresentam os sentimentos da mulher de um modo que seria inimaginável para Pózdnychev”, o protagonista de Sonata Kreutzer. Na novela de Tolstói, Pózdnychev conhece o narrador durante uma viagem de trem. Não demora para que ele informe ter matado a esposa. A seguir, passa a expor suas convicções sobre o amor e o casamento, de maneira clara e brutal. Para ele, as mulheres, privadas de direitos, “se vingam agindo sobre nossa sensualidade, prendendo-nos em sua rede”. Quanto aos homens, fingem que a dissipação não existe e passam a crer que são pessoas morais. Como toda grande obra de arte, Sonata Kreutzer é complexa e ambígua, ao pôr na voz de um assassino ideias de pureza em que o autor acreditava. A diatribe contra as concepções dominantes de amor e família suscitou numerosas respostas à novela e sua proibição na Rússia e nos Estados Unidos. Referências biográficas estão por toda parte nas novelas reunidas em Tolstói & Tolstaia. Sófia, que, ao se casar com o autor de Anna Kariênina ganhou o título de condessa, tinha 18 anos quando conheceu o escritor, 16 anos mais velho. O casal teve treze filhos, oito dos quais sobreviveram à infância. Sófia encontrou tempo para exercitar-se na recente arte da fotografia e para copiar sete vezes em boa caligrafia os originais de Guerra e paz, um dos romances mais extensos da história. Os últimos anos do casamento foram torturantes. Na época Tolstói se afastava da literatura e se dedicava a escritos teóricos sobre família e Estado, na direção de um radical anarquismo cristão. A discussões do casal chegaram ao ápice depois que o escritor manifestou o desejo de abrir mão de suas propriedades e da renda proveniente da venda de seus livros. Em 1910, Tolstói abruptamente deixou Iásnaia Poliana em companhia da filha Alexandra e um médico. Dez dias depois, morreu numa estação de trem. Sófia continuou morando na propriedade até sua morte. SOBRE A COLEÇÃO
Peso: | 502 g. |
Páginas: | 448 |
ISBN: | 9788569002871 |
Editora UnB - CNPJ n° 00.038.174/0019-72 - UnB, Centro de Vivência - Asa Sul - - BRASILIA - DF
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